sábado, 27 de fevereiro de 2010




Boas Vindas




A vocês que chegam, bem vindas e bem vindos. As razões que motivaram a escolha do Curso de Filosofia dizem muito sobre a concepção que têm sobre si próprios, o que querem do mundo e da vida, o que querem representar. Nosso curso existe há pouco mais de dez anos, o que o torna recente, ainda precisando de direcionamento e de afirmações de identidade, muito embora hoje estejamos muito mais adiantados do que na mesma época do ano passado. Estamos felizes em contar com vocês agora.




Estruturalmente, o curso dispõe de um espaço limitado na Área III do Centro de Humanidades, mas ainda assim consegue ter uma biblioteca e sala de leitura e informática próprias, uma das mais organizadas e eficientes secretarias que podemos conhecer na UFC, um PET participativo e constantemente em processo de criação, um programa de bolsas invejavelmente notável, tanto no sentido quantitativo, como no qualitativo, um programa de pós-graduação que todos os anos forma novos mestres em Filosofia. Sim, nós temos que nos orgulhar do nosso curso, das pessoas que trabalham para isso, e de todo o esforço de construção que vem sendo mantido desde sua fundação até hoje.




Devemos nos orgulhar também da Filosofia.




A Filosofia que aparece como farol-guia e como método para as pessoas que desejam, por razões tais que fogem ao tangível ou mesmo ao concebível, desejam conhecer, entender, saber das razões do mundo, ou das coisas, ou do humano. Saber se há verdade, ou não há. Saber o que ela é, se existir. Saber do próprio saber. Ou dos meios como possuímos para nos expressar sobre o Saber. Saber das razões da mente, ou das “sem-razões do amor”. Saber quem somos. Quem somos?




Bem vindos, filósofos ou aspirantes à Filosofia a essa montanha-russa que é esse Saber, sempre em looping, voltando-se sobre si mesma e retornando refletida para as questões que perturbam o espírito humano, porque é humano. Não se assustem, à primeira vista, com a intensidade da Filosofia, ou com a aridez que certos autores, ou com a noção socrática de que, por mais e mais que saibamos, nada, absolutamente nada, sabemos de certo.








Antropologia Filosófica




O saber científico e o saber filosófico




Segundo o velho Aurélio, antropologia é “1. Estudo ou reflexão do que é humano, e do que lhe é característico. 2. Designação comum a diferentes ciências ou disciplinas, cujas finalidades são descrever o ser humano e analisá-lo com base nas características biológicas e socioculturais dos diversos grupos (povos, etnias), dando ênfase às diferentes variações entre eles”*. É o estudo, o discurso, a reflexão (logos) sobre o humano (antropo).




Nesse sentido, a definição que melhor cabe à Antropologia Filosófica é a 1, considerando que a Filosofia não descreve nem o mundo biológico tampouco o mundo sociocultural. Mas o que pensar a respeito, então, quando dissemos que a ocupação dessa disciplina é tão somente filosófica?




Três ramos antropológicos há, todos interessados no que é que faz com que sejamos humanos, descrevendo-o nos aspectos pensáveis. A Antropologia Natural usará dados biológicos, anatômicos e fisiológicos para definir humano – Nesse caso humano pode ser definido como ser mamífero com telencéfalo desenvolvido e polegar opositor, como no documentário A Ilha das Flores. – Ela se respalda em ciências como Paleontologia e Genética.




A Antropologia Cultural trabalha com dados culturais, isto é, tudo o que é produzido pelo homem, o meio cultural em que vive, os costumes e os saberes de seu povo. Um antropólogo cultural poderia definir humano como animal cultural, social e político. Ela é fortemente ligada à Etnologia.




Por fim, e não menos importante, temos a Antropologia Filosófica. Ela não trabalha como dados, mas com reflexões. Não faz descobertas, mas concepções, entendimentos. É o saber que busca uma definição não-biológica, porque considera o humano como algo que transcende o biológico; nem um saber tão-somente cultural, porque acredita que há algo no humano que lhe seja inalienavelmente seu, algo humano de fato, que faz com que todo mamífero como telencéfalo desenvolvido e polegares opositores e que participam de uma construção cultural de mundo, seja humano. A Antropologia Filosófica entende o humano como algo universal, numa categoria da qual os membros da espécie fazem parte.




Essa é a distinção fundamental entre o saber científico (Antropologia Natural e Cultural) e o saber filosófico. O primeiro busca uma definição o mínimo “universalizante” possível, em que todos possam se enquadrar de modo flexível e peculiar, uma definição por particulares, indivíduos, que trabalha com dados empíricos. O segundo saber busca, através puramente de análise reflexiva, num auto-perscrutar incansável e implacável, um Humano universal, e não trabalha com coisas experenciáveis, mensuráveis, mas somente na intelecção e na abstração. No final, ambos se confundem, porque o objetivo é o mesmo: entender o que faz como que o humano seja humano; o que muda, pode-se dizer, é o método.




O saber científico, para concluir, trabalha com certezas provisórias, e isso vale para toda Ciência. O saber filosófico, a rigor, trabalha com certezas universais, que valham em todo tempo e em todo lugar, mesmo que a certeza universal seja a de que não há certeza universal nem verdades absolutas.




Esse é o objetivo (subjetivo) da Antropologia Filosófica. Entender, filosoficamente, o que nos torna humanos. O que é humano.







A Disciplina de Antropologia Filosófica no Curso de Filosofia da Universidade Federal do Ceará.




Ministrada pelo professor Custódio de Almeida entre 18:30 e 20:00 horas nas segundas e quartas-feiras, a disciplina de Antropologia Filosófica é considerada o deleite do primeiro semestre, por ser de uma temática que, se não interessa a todo mundo, pelo menos perturba a todos, e pelas aulas cooperativas, em que o debate, a discussão e as análises reflexivas sempre estão em voga. Esta postagem conclui-se com uma pequena descrição de como vai ser o caminho que o semestre vai tomar.




Num primeiro momento, serão apresentadas as concepções filosóficas de homem, desde a Filosofia Clássica até a Contemporânea, historicamente amealhada. Relatórios deverão ser feitor a partir das discussões nas aulas e nas leituras do texto Antropologia Filosófica, do Pe. Henrique C. de Lima Vaz**. As discussões terão começo na concepção de homem implicitamente presente nas grandes poesias e nos mitos gregos: a efemeridade do homem em relação a imortalidade dos deuses.




Em seguida, com o surgimento paulatino da Filosofia no pensamento grego, as investigações socrática, sofística, platônica e aristotélica acerca do humano serão esquadrinhadas. As concepções helenísticas (epicurista, estóica e neoplatônica) fecharão a época clássica e abrirão o Medievo.




As concepções medievais serão fortemente marcadas pela problemática Razão x Fé. Isso se dá porque a conciliação do pensamento cíclico grego como o pensamento linear judaico-cristão, o “casamento” entre o logos grego com as noções teológicas do cristianismo, será muito difícil. Por isso, toda a Filosofia Medieval, não só as suas concepções antropológicas, será caracterizada pelo empenho de seus pensadores em sintetizar as duas tradições. Esse esforço começará com a Patrística, cujos principais expoentes são Orígenes e Santo Agostinho, e confluirá para a síntese que São Tomás de Aquino empreenderá, com o ressurgimento do aristotelismo.




Inicia-se com René Descartes a Modernidade, e as concepções tentarão cada vez mais se desvencilhar de uma atenção voltada para algo fora do entendimento humano: eis o Subjetivismo marcando a primeira grade reviravolta nos conhecimentos humanos ocidentais. Surge, com o Renascimento, a noção de dignidade humana, o Humanismo. Haverá uma crítica a Descartes pela parte dos filósofos ingleses David Hume e John Locke, e em meio a essa disputa, Immanuel Kant fará a síntese que permitirá à Filosofia prosseguir em seu caminho. As concepções de homem, antes fortemente submetidas à Razão onipotente, dão vislumbres de mudança.




Hegel marcará o fim da Idade Moderna, na Filosofia, e suas concepções, em parte, grande síntese em sistema do que foi pensado em sua era, marcarão os estudos Filosóficos como os entendemos. Os pós-hegelianos trabalharão no sentido de criticar e endossar o filósofo, e pensarão nas mais diversas concepções: Spinoza, Schopenhauer, Nietzsche, Marx, Feuerbach, os críticos da modernidade, na escola de Frankfurt, Walter Benjamim, Marcusek Horcheimer, Adorno, e os filósofos atuais, terão todos uma concepção própria de humano, assim como nós temos. O objetivo dessa análise histórica é nos fazer refletir sobre o que nós pensamos do humano, mediante o que já foi pensado nos dois mil e quinhentos anos de tradição filosófica.




A segunda parte do programa da disciplina tratará das Categorias humanas: as coisas que fazem com que sejamos humanos. Cada traço importante desde o Corporal à Transcendência rumo ao Total, num eternamente frustrada tentativa humana de superar suas delimitações. Mas isso é outra história.




Sejam bem vind@s a doce e trágica e bela dança da filosofia em diálogo com as tradições. Não vos arrependereis, mesmo se não vos tornardes felizes com isso, porque, de um modo ou de outro, a reflexão filosófica ajudará a vos encontrardes. Só basta pensar. Vinde. ^^

Referências

*MiniAurélio Século XXI - Aurélio Buarque de Holanda; Editora Nova Fronteira - R. de Janeiro - 2001

**Antropologia Filosófica - Volume I - Pe. Henrique C. de Lima Vaz; Editora Loyola -

S. Paulo 1991




3 comentários:

  1. Boa noite, caro tutor! Parabéns pelo espaço tão elegante. Espero que nos encontremos muitas vezes para discutir filosofia, aqui, na sala de aula e no solar.

    Saudações,

    Vera

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  2. P.S. Alberto Caeiro é meu poeta preferido.

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